25/10/2011

Tornar-me pessoa

Que eu seja livre na aventura de viver. Perder-me e achar-me além das montanhas azuis. Que a leveza do sorriso de uma criança me oriente, e eu realmente saiba o que importa. Por que parte de mim é o prisioneiro e outra parte o libertino.

Que eu supere a angústia e tenha coragem de expressar meus sentimentos, expondo minhas contradições, parcialidades e indefinições, seja através do silêncio, seja através de meu grito. Assim eu me vejo no espelho. Por que parte de mim é a fera e a outra parte é o anjo.

Que eu tolere meus medos e incertezas. Olhando-os como passos de um aprendizado. E que eu tenha a persistência de construí-lo dia após dia. Por que parte de mim é o homem das cavernas e a outra parte o astronauta.

Que eu viva sem tempo nem espaço, num eterno presente enxergando o essencial. Sem ressentimentos. Sem preocupações. Afastando dos meus sentidos as ilusões, os ideais e os apegos.  Por que parte de mim é o insano e a outra parte o artista.

Que eu encare a dor e o desprazer como pertencentes do ciclo da vida, enxergando o que me falta e, portanto o que me completa. Que eu aceite as perdas como necessárias no processo de evolução. Que eu aceite o sofrimento e saiba lidar com ele. E perceba que seja dor ou desprazer é sempre melhor que a anestesia. Por que parte de mim é Shakespeare e a outra o palhaço.

Que eu olhe o meu semelhante como a mim mesmo: com acolhimento e respeito. E eu me farte de generosidade e compreensão; e que o amor seja sempre inspiração ímpar. Por que parte de mim é o mudo e a outra parte o cantor.

Que minhas criações aflorem como a fluência dos rios: com naturalidade e simplicidade, mas acima de tudo com consciência do poder pessoal. E eu encontre a beleza e a harmonia naquilo que eu faça. Que eu me sinta protegida em todos os campos de minhas manifestações. Por que parte de mim é o Pinóquio e a outra parte é o mágico.

Que eu encontre o equilíbrio entre as polaridades dos personagens interiores. Que eu seja eu mesma: um ser único e original no jeito de ser e sentir. Que eu construa o meu caminho com significados e sentido interno. Que eu me sinta uma especialidade e seja capaz de construir os cenários que me dêem prazer.

Que a cada dia eu saiba me reinventar,
e enxergar a beleza de viver a cada momento.


10/10/2011

A coragem de amar

─ Agora você me vê completamente indefeso e vulnerável. Assim eu me entrego a você.

─ Eu o amo ainda mais.

Assim se configura o diálogo dos amantes.

Amar é mergulhar nas próprias sombras, nos vales selvagens, longínquos e profundos de nossa psique. É encontrar na vida um significado, um sentido, é trazer a beleza e a força da paixão como também encarar a dor, confrontar as ilusões, os ideais, a realidade nua e crua dos nossos limites. No entanto este desbravamento nos conduzirá a uma ampliação da consciência de nós mesmos.

O amor faz sentirmos expansivos, faz-nos olhar a vida com vibração mais aflorada e refinada. O amor é uma energia que liberta ─ jamais aprisiona. O amor é sempre um bom encontro.

Como dizem os filósofos: não amamos o que queremos e sim o que desejamos. O querer é a consciência daqueles lados de nós mesmos que já conhecemos ─ é razão. Já o desejo é abertura, um mergulho no vazio; é a procura pelas necessidades pertencentes a nós mesmos ainda não descobertas ou revelada s que através de atitudes espontâneas e livres são adquiridas.

O amor é um encontro consigo mesmo. Procuramos no outro e admiramos o jeito do outro e nesta convivência acabamos por descobrir a nós mesmos.

Para amar é preciso coragem! Não a coragem de se aventurar diante dos medos alheios, mas diante dos próprios medos, por que amar sempre nos colocará diante das possibilidades de perder e sofrer. Na mesma intensidade do prazer, da sensação de estarmos protegidos e acolhidos pelo outro, está a polaridade inversa, a alucinação da dor de perder ─ o vazio de não pertencer, a possibilidade do outro não existir.  É dor dilacerante o confronto da sensação de ter o ser amado vivo dentro de si e a constatação da ausência material do ser amado em nossa vida.

Amar é tarefa não fácil, pois antes de tudo nós devemos nos responsabilizar pelos nossos sentimentos e tratar de cuidar da nossa individualidade. Devemos nos conscientizar daquilo que nos falta, e ao mesmo tempo cuidar do outro, respeitar o seu direito de ser e construir seu caminho.  A cada um lhe cabe o direito de ir, de mudar, de conduzir a vida com autonomia e liberdade. É fato! Somente temos o domínio sobre nós mesmos, sobre nossa individualidade, e esse é o primeiro foco a ser considerado na arte de amar; e desenvolver a competência de viver sozinho é o primeiro passo para iniciar uma relação afetiva bem sucedida.

Assim nos sentiremos seguros para ao outro nos entregar, para fazer a vida adquirir uma amplitude, inspiração poética ─ nos colocando dignos do investimento afetivo do nosso amado. Para que possamos crescer.

Para se viver um grande amor...

É preciso antes de tudo ter orgulho de si mesmo nas atitudes, pois antes de amar o outro é preciso amar a nós mesmos, estar em sintonia com os nossos sentimentos.

É preciso quebrar o narcisismo: somos todos crianças na tarefa de aprender a amar.

Para se viver um grande amor...

É preciso ceder a mão quando o nosso amado nos convida a dançar, nos passos trêmulos tentar se adequar ao ritmo; mas se um dos dois escorregar, a mão do outro apóia e levanta, e a dança continua.

Espero que sejamos livres e abertos para questionarmos e nos posicionarmos a quaisquer imposições do sistema social para que o verdadeiro amor possa se manifestar.

Se eu tenho um coração e você tem um coração, então podemos nos amar...

04/10/2011

A beleza de ser inacabado

Amanhece...
O canto dos bem-te-vis sinaliza os primeiros raios de luz espalhando alegria e leveza. Delicados seres nos encorajam a mais um dia de trabalho.
Do tronco de pessegueiro recém podado surgem os primeiros ramos de um verde novo em folha.
A chuva de ontem se guardou nas folhas do pé de magnólia, que agora refletem luz, como se sua missão fosse irradiar encanto e magia.
A dança dos narcisos nos convida a tocá-los. A vaidade das azaléias, em plena exuberância impõe-nos admirar a beleza de seus tons.
Sinais de setembro.
Tudo absurdamente diferente! Cada pessoa, cada ser, ou cada objeto irradiando uma mensagem, uma expressão.
Em nossa volta tudo está vivo ─ ciclos determinados a se desenvolver, a se aperfeiçoar, a se descobrir, a se revelar, a se reinventar.
A liberdade do vento nos inspira a perceber a liberdade de ser, a manifestar o potencial de criatividade já pronto dentro de nós.
E o vento também nos diz: eis o maior de todos os mistérios, somos seres em transformação ─ infinitamente inacabados.
O potencial de criatividade precisa emergir, aflorar: a vida vale pela ampliação da consciência de nós mesmos. E cada um tem a sua história a criar, desenvolver e atuar.
Mas existe uma força social que nos tenta impedir o desabrochar 
desta força. Uma crítica, uma imposição de poder com regras e normas, como se a vida vertesse por um único caminho, um único modo de ser e se manifestar.
A originalidade é o equilíbrio.
Cada ser humano buscando um significado próprio, que ao longo da vida vamos lapidando e refinando. Tarefa esta que nunca estará pronta, portanto, bela, pela natureza inacabada, incompleta e a se redefinir.
O tempo é agora.
Tempo de amar, de ser simples, de recuperar a inocência, a naturalidade de ser.
Tempo de ser espontâneo, de ter somente bons encontros, tempo de ser original.
Tempo de observar os sincronismos, as afinidades.
Tempo de preencher os vazios deixados pela infância, de se comprometer com a criança interior. Tempo de perdoar os nossos pais.
Tempo de desarmar, eliminar os escudos que nos impedem de perceber a vida. Tempo de sair da anestesia.
Para que possamos então crescer, evoluirmos como pessoa, aprendendo a tolerar a dor, as diferenças pessoais, a fragilidade, o medo, a incerteza do porvir, desnudando-nos de nossos narcisismos.
Para que a doçura de nossas vozes possa acolher o próximo. O toque de nossas mãos eliminar o veneno do mau uso do poder social.
Para que possamos enxergar a cada dia como novo e único, e a nós mesmos com um potencial de infinitas possibilidades e escolhas.

03/10/2011

A arte de perdoar

Em meio à turbulência do dia-a-dia e a ansiedade que nos rouba o ar, a inspiração e a poesia, de repente o tempo parou e eu fiquei observando a relação de duas pessoas.

O homem maduro apóia com cuidado o frágil corpo de sua mãe. Sua boca alcança suas mãos com os sinais do tempo.

Que doce o olhar daquele homem! Gestos suaves, uma concentração atribuída, afeto transbordante, e por que não dizer a beleza em perfeição.

A mãe carente e desconcertada, inquieta e aflita, ainda reclama que a natureza do afeto não era bem o que desejava...

Fica clara a inversão. É o filho quem alimenta afetivamente a mãe.

Como na natureza afetiva, primeiro nós recebemos e depois doamos, surge então o questionamento: de onde se alimenta este homem para se obter este manancial de afetos e cuidados, irradiando admiração e doação?

Que mistérios se escondem no equilíbrio contido nesta paz?

─ A necessidade de aprender a perdoar. Sim. É possível acreditar num mundo melhor – construído por pessoas melhores. Perdoar! Habilidade esta, infinitamente a descobrir e a construir.

Não perdoamos o outro e sim a nós mesmos. Porque ninguém entra no mundo do outro, no relacionamento apenas nos inspiramos do outro um jeito diferente de agir e sentir.

Devemos sim, perdoar a nós mesmos pelos vazios não percebidos, inconscientes – aquelas necessidades imprescindíveis do nosso mundo interior. Devemos sim, aceitar nossas frágeis fases de dependências.

Perdoar é trazer de volta, é recuperar a inocência e a espontaneidade perdida. Acreditar sim, que os pais nasceram para proteger, as crianças para renovar, os artistas para encantar, os professores para guiar, os médicos para curar – que a mão que nos leva a passear num dia ensolarado é doce e acolhedora. Acreditar que o que norteiam as funções de cada ser humano são a pureza, a transparência, a simplicidade e a entrega.

Perdoar é perceber que cada pessoa que se aproximou de nós, nos amou da forma que poderia, nos concedeu o amor que se estendeu de si mesmo. E que muitas vezes não o tinha para ofertar, mas ofereceu o que podia e da forma que dispunha.

Porém, estas atitudes não significam negar a dor. Pois o vazio de uma necessidade não preenchida causa dor em demasia. E sempre haveremos de buscar um equilíbrio melhor, uma condição que nos proporcione um acolhimento mais terno. Seja esta necessidade de liberdade, proteção, comunicação, intimidade entre outros sentimentos. Pois o fato é que, por mais amados que sejamos pelos nossos pais sempre haverá lacunas, e que nosso desejo da compreensão de nossa natureza e essência original é função pessoal, um trabalho de amadurecimento interno.

Portanto perdoar, passa pelo comprometimento daquilo que nos falta ─ resignificar aquelas necessidades não completadas.

Assim seremos capazes de seguir em frente, íntegros e dignos, saindo de um sistema de desprazer, dor e sofrimento para um sistema de autonomia, autodomínio ─ uma individualidade construtiva, quebrando o padrão da repetição, do ciclo vicioso de desafetos, transmutando vazios internos em construções afetivas seguras.

Perdoar é estarmos conscientes de nossa capacidade de criar laços.